terça-feira, 30 de abril de 2013

O SOL - 2005

Solntse, 2001
Legendado, Aleksandr Sokúrov

Classificação: Bom

Formato: AVI 
Áudio: japonês/inglês
Legendas: português
Duração: 110 min.
Tamanho: 1 GB
Servidor:  Mega (parte única)

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SINOPSE
Em 15 de agosto de 1945, os japoneses ouvem pela primeira vez a voz de seu imperador, que exorta seu exército e seu povo a pôr fim às hostilidades. Isso permite aos norte-americanos desembarcar nas ilhas japonesas sem encontrar resistência. O pedido do imperador ajuda a salvar muitas vidas, mas os vencedores exigem que Hirohito (Issei Ogata) compareça diante de um tribunal de guerra. O general McArthur (Robert Dawson), comandante das tropas americanas no Pacífico sul, desaconselha o presidente Franklin Roosevelt a converter Hirohito num criminoso de guerra.

Fonte: Interfilmes
The internet movie database: IMDB - NOTA IMDB: 7.3





ANÁLISE

O humano pelo divino
por  Eduardo Valente

Primeiro, a confissão: depois da surpresa inicial da descoberta do cinema de Sokurov, com Mãe e Filho (1997) e Moloch (1999), fui gradualmente tomado por um desinteresse pela produção do cineasta russo – no que ajudou pouco a retrospectiva que a Mostra de SP organizou de sua obra, em 2002. Especialmente Taurus (2001) e Pai e Filho(2003) me são enormemente indiferentes, por me apresentarem um cineasta cuja visão do mundo, decadentista e auto-centrada, pouco fazia diferença. Tendo conhecido boa parte de sua carreira, Sokurov parecia completamente perdido em meio a si mesmo, não apenas repetindo uma determinada fórmula audiovisual, mas principalmente produzindo filmes que não adicionam quase nada ao olhar sobre o cinema atual.

Dito isso, o fato é que O Sol recupera algum frescor na obra do cineasta, especialmente na relação entre o homem e a História. Terceira parte de uma tetralogia sobre homens de poder (começada com Hitler em Moloch; depois passando por Lênin em Taurus), curiosamente este filme permite uma retomada do interesse pelo humano em Sokurov justamente por retirar seu personagem principal (o imperador japonês Hirohito) do âmbito do isolamento. Ou seja, justamente por não mergulhar numa patologia da intimidade, e sim por espelhar a intimidade pelo olhar da figura pública (no caso, com o peso de ser uma “divindade”), Sokurov retoma com Hirohito um interesse pelo personagem, e não pelo mito.

Seus movimentos anteriores de desmistificação de Hitler e Lênin passavam excessivamente pela abstração destes do ambiente externo a seu habitat mais direto, como se estes homens precisassem ser retirados da História para poderem ser vistos de novo. Em Moloch, isso até funcionava, tanto pelo ritmo um tanto hipnótico do filme, quanto pelo fato de ser uma primeira experiência. Já em Taurus, o Lênin doente e sussurrante se tornava rapidamente unidimensional – o que pode facilmente ser entendido pela nacionalidade russa de Sokurov, e também pelo seu famoso desgosto pelo regime comunista. Neste novo filme, curiosamente, a estética eminentemente ritualística do cineasta (os constantes lentos movimentos de câmera, os cortes preferencialmente em fusões – ainda que curtas, a quase ausência de cor numa imagem que parece curiosamente velha e moderna ao mesmo tempo) parece muito próxima dos do também altamente ritualizado Japão – adequando-se perfeitamente ao seu ambiente.

Assim, em O Sol, Sokurov parece conseguir olhar para Hirohito de frente, sem abrir mão de sua estética particular. Isso se dá principalmente porque Hirohito surge também pela visão e relação com os outros personagens – tanto seus servos, como seus ministros, como o General MacArthur, como a imperatriz (em belíssima cena) – e, por isso mesmo, com a História. O momento pelo qual ele passa também é mais significativo do que o retratado nos filmes anteriores, já que não sinaliza apenas decadência física e derrota iminente, mas principalmente uma mudança de estatuto, do divino ao humano – marcado pelo uso nos créditos finais do discurso em que sua voz é dirigida e ouvida pela primeira pelo povo. Por isso, Hirohito em cena não é tanto um decrépito (Lênin), ou um patético (Hitler), mas muito mais uma imagem em decomposição, em alteração – decomposição de dentro para fora. Com isso, o personagem se torna muito mais vivo do que poderíamos supor.

Além disso, há dois momentos particularmente fortes no filme, onde o personagem precisa “negociar” sua visão “palaciana” com a realidade exterior a ela: primeiro na viagem de carro por uma Tóquio destruída; e depois nas conversas com os americanos – que simplesmente desconhecem, não entendem ou preferem ignorar o “estatuto divino” do Imperador. Neste sentido, é bastante forte e sutil (que é tudo que Sokurov não vinha sendo) o momento em que Hirohito é forçado a abrir a porta na saída do encontro com o general americano, um gesto que marcadamente ele não sabia fazer. Nesta descoberta da humanidade pelo imperador, o cinema de Sokurov parece voltar a olhar para seus personagens sem a lente de aumento distanciada que os parecia tornar pequenas criaturas em experimentos (aliás, algo que o próprio Hirohito faz no filme, curiosamente). Quando Hirohito escreve sua carta à nação, sob a luz da Lua que entra pela janela (ela sim, um astro, enquanto o “imperador-Sol” se torna apenas uma pessoa), é o cinema de Sokurov que volta a se iluminar pelo reencontro com a humanidade. Tomara que seja um encontro que dure mais do que um filme.

Análise retirada do site Cinetica
















domingo, 28 de abril de 2013

MOLOCH - 1999

Molokh, 1999
Legendado, Aleksandr Sokúrov

Classificação: Bom

Formato: AVI 
Áudio: alemão
Legendas: português
Duração: 108 min.
Tamanho: 1,36 GB
Servidor: Mega (2 partes) 

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SINOPSE
Moloch é o nome dado a uma divindade malévola adorada por diversas culturas antigas e, no entanto, este símbolo pagão sempre fora associado a sacrifícios humanos, sendo conhecido também como "Príncipe do Vale das Lágrimas" e "Semeador de Pragas". Este título foi escolhido pelo diretor Aleksandr Sokurov para fazer um estudo da vida cotidiana de Adolf Hitler e sua amante Eva Braun e, presenteou a façanha com um prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes. Nos alpes da Bavaria, a solitária Eva Braun recebe a visita do temido Führer. Ele não está sozinho: Joseph Goebbels, ministro da Propaganda, e Martin Bormann, seu principal assessor, estão com ele. A ordem é não falar em guerra, apesar de estar na primavera de 1942. Mas a tensão é evidenciada pela impaciência e inconformismo de Eva. Ela sabe que não pode competir com a dedicação de seu amante ao Reich e já não suporta seus discursos absurdos e sua hipocondria. Mesmo assim, somente ela é capaz de compreendê-lo e ser a única voz a ousar contradizê-lo.

Fonte: Interfilmes
The internet movie database: IMDB - NOTA IMDB: 6.7



ANÁLISE

Cannes, 1999. O júri presidido por Martin Scorsese surpreende ao atribuir a Palma de Ouro a Rosetta, dos irmãos Dardenne, dois cineastas da Bélgica. Havia críticos apostando em Straight Story, o belo filme de David Lynch que a Lumière há quase dois anos promete lançar no País. E havia, ainda, críticos apostando que a escolha mais radical do júri seria dar a Palma de Ouro a Moloch, de Aleksander Sokurov. O filme estréia nesta sexta-feira. É impressionante, para dizer-se o mínimo. Você viu muitos filmes sobre o nazismo. Nenhum como esse. Sokurov trata Adolf Hitler como indivíduo. Filma-o na intimidade com Eva Braun. É sinistro. 

Sokurov não saiu sem prêmio de Cannes, embora não tenha recebido a cobiçada Palma. O júri, por sinal, atribuiu-lhe um prêmio um tanto discutível, o de melhor roteiro, pois a força de Moloch não está no roteiro e sim na direção, naquilo que os franceses chamam de mise-en-scène. Toda a riqueza e complexidade do filme está menos na estruturação das cenas e na armação dos conflitos do que no trabalho de direção que se opera dentro de cada cena, na maneira de enquadrar, posicionar e movimentar os atores, de usar o cenário e a cenografia, de usar o som, um trabalho realmente prodigioso no seu antinaturalismo. 

Começa com uma mulher que dança nua no que parece ser uma fortaleza. É uma fortaleza e a mulher é Eva Braun, a amante de Hitler. Logo chega o führer com seu séquito, para passar o fim de semana no castelo encravado nos Alpes. A corte do ditador é lúgubre. Dela participam Mengele e Goebbels, com a mulher, entre outras pessoas. O nazismo, você sabe, criou toda uma mitologia em torno da beleza e da perfeição físicas. Hitler e seus asseclas defendiam a eugenia, o extermínio puro e simples das chamadas raças inferiores. Não deixa de haver certa ironia no tratamento que Sokurov dá a seus personagens. Hitler e sua corte, com exceção de Eva Braun, não passariam no exame de admissão ao Reich. 

São horrendos, fisicamente, e as deformidades físicas não são outra coisa senão a expressão da deformação moral. Se você viu Mãe e Filho, o primeiro filme de Sokurov que a Mostra Internacional de Cinema trouxe a São Paulo, sabe que o diretor russo é atraído pelo tema da decrepitude física, que gosta de opor a um certo ideal de beleza. Assim, ele opunha a mãe ao filho e agora o führer a Eva Braun. Um corpo degenerado e outro livre. Ela é bela e sua dança assemelha-se à de Leni Riefenstahl, a deusa imperfeita que fez filmes que entraram para a história, mas que os críticos e historiadores repudiam por sua ligação com o nazismo. 

Um filme como Moloch é prato cheio para quem se dispuser a analisá-lo com as chaves de Freud. Isso nem é novo, mas no cinema ninguém foi fundo como Sokurov no tratamento de Hitler como um caso patológico. E, falando sobre o autor de Minha Luta e o nazismo, na verdade ele quer usar um caso tão particular quanto o de Hitler para falar sobre o inferno da miséria física e moral que pode aviltar a condição humana. Hitler não suporta que Eva Braun o veja nu. Não suporta a idéia da procriação e, por isso, logo ao chegar à fortaleza ele arma uma cena quando lhe apresentam o que seria belo para qualquer pessoa - uma ninhada de filhotes. Numa cena particularmente reveladora, Hitler afasta-se para defecar. Como um gato, cobre seus dejetos com areia, tudo visto a distância pelos olhos dos guardiães desse sombrio ninho de águias, os soldados que o diretor trata como blocos graníticos, transformando-os em objetos desse cenário desumanizado e esverdeado que é a fortaleza. 

Obsessões - Hitler brincando com suas fezes se assemelha a uma criança fascinada pelo próprio dejeto. Adi, como Eva Baun o chama, não come carne, odeia sua aparência. Os jornais filmados de atualidades o aborrecem, não sabe o que é Auschwitz, é obcecado pelo pútredo e pelo fóbico. Só o que o distancia dessas obsessões é o corpo livre de Eva Braun, mas assim mesmo ele não admite o contato físico com ela. Hitler e sua corte compõem um bando de degenerados que se afundam até o pescoço no cocô e é preciso dar à palavra toda a sua conotação agressiva, pois é o que Sokurov quer. Nunca houve uma corte tão contaminada quanto a desse filme. A banalidade do mal a que Hannah Arendt se referia ganha uma nova e definitiva dimensão. É um filme sobre o mal absoluto, sobre a corrupção do poder. Fala de guerra sem nunca ser explícito. Constrói-se no domínio da doença, pois o que Moloch propõe é a descrição nosográfica do ditador e seus áulicos. 


O próprio título é esclarecedor. Moloch refere-se ao deus destruidor da mitologia. A metáfora é clara. Sokurov identifica o nazismo, o próprio Hitler, com Moloch. A questão é - por que um filme desses? Porque Hitler foi o ditador mais monstruoso do século passado, tão pródigo em atrocidades. Nunca será demais exorcizá-lo. Mas também porque, projetando-se nele, Sokurov talvez esteja querendo fazer o retrato mórbido, masoquista e megalômano do próprio artista como demiurgo. Pois o tratamento antiilusionista de Moloch deixa claro que o comentário político do diretor não é só sobre Hitler e o nazismo. É sobre o cinema, também. 



Análise retirada estadao





























































































































sábado, 27 de abril de 2013

FAUSTO - 2011

Faust, 2011
Legendado, Aleksandr Sokúrov


Formato: AVI 
Áudio: alemão
Legendas: português
Duração: 134 min.
Tamanho: 1,95 GB
Servidor:  Mega (2 partes)

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SINOPSE
Fausto é um pensador, rebelde e pioneiro, mas também um ser humano anônimo feito de carne e sangue, governado por impulsos internos, cobiça e luxúria. Última parte da tetralogia de Sokurov sobre a natureza do poder, o filme é livremente inspirado no conto Fausto, de Goethe. 

Fonte: Cineclick

The internet movie database: IMDB



ANÁLISE

Quando Alexander Sokurov ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza do ano passado com Fausto, disse que tinha sido apoiado por Putin, embora o filme fosse uma crítica às figuras do poder, entre as quais se inclui o atual presidente da Rússia. 

[O filme] traz, como disse o seu diretor, uma visão mórbida da busca pelo poder sem limites. A origem da lenda perde-se nos fundões da Idade Média alemã. Fala-se de um certo J. Faust, que teria vivido no final do século 15. Médico e astrólogo, teria pactuado com o demônio em busca de sabedoria e prazeres terrenos. O dramaturgo Marlowe escreveu sobre o personagem em 1590, mas as obras que o imortalizaram na cultura ocidental são as de Goethe, no século 19. É sobre esse texto primordial que Sokurov vai criar, e de maneira bastante livre.

Dito isso, convém lembrar que também no cinema e na música o mito já firmara tradição. O Fausto de Murnau (1926) é uma das obras-primas incontestáveis do cinema mudo e do expressionismo alemão. O drama de Goethe também inspirou compositores como Berlioz e Gounod. Na literatura deu filhotes que são outras obras-primas, como Doutor Fausto, de Thomas Mann, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. É uma história inscrita no inconsciente coletivo da nossa cultura. Quando dizemos que fulano ou beltrano vendeu a alma ao diabo para conseguir determinada coisa, é de Fausto que estamos falando. Nada menos. Olhem à sua volta e encontrarão Faustos, uns mais patéticos que outros, segundo suas possibilidades e vocação. É uma figura eterna.

Por isso também era lógico que Sokurov, um discípulo de Andrei Tarkovski, coroasse com o Fausto sua sequência de filmes dedicados às figuras do poder - Adolf Hitler em Moloch (1999), Lenin em Taurus (2000), Hirohito em O Sol (2005). Três personagens da História e, agora, um da ficção, que recobre a todos os outros porque deles é a figura emblemática. Não importa aqui lembrar as convicções políticas de Sokurov (ele é um conservador), mas ver como se tornava quase obrigatória a passagem pelo Fausto para completar sua reflexão sobre a busca do poder e a derrocada de todo aquele que se empenha em conquistá-lo de maneira absoluta.

É, portanto, um conceito, uma ideia, mais do que a literalidade do texto de Goethe que guia a mão de Sokurov (e de seu formidável fotógrafo Bruno Delbonnel, de Amélie Poulin eHarry Potter). Tratava-se de sentir o ambiente e a época em que a história se passa e transmiti-la de maneira quase física ao espectador. Por isso a abertura é quase insuportável, com a dissecção de um corpo humano. Fausto (interpretado por Johannes Zeiler) busca nas vísceras a sabedoria pela qual está disposto a tudo pagar. Não por acaso, nesta versão, a figura clássica de Mefistófeles se encarna em um usurário (Anton Adasinskiy). 

Um diabo feio e em mau estado. Fedorento, como convém aos diabos, mas também coxo, de abdômen inchado, pênis infantiloide e às voltas com problemas estomacais e flatulências. Ele é todo a exacerbação de um ambiente opressivo pintado (o verbo não é casual, trata-se mesmo de pintura) por Sokurov e seu fotógrafo. Com tons dominantes de marrom, verde e azul, há o retrato desse mundo soturno quase sempre coberto por uma pátina de neblina. Esse desenho de tela é fruto do diálogo do cineasta com Bosch e Brueghel, em especial, mas também com Rembrandt, El Greco e Giotto.

Nesse universo em desencanto move-se a dupla Fausto/Mefistófeles, iluminado apenas por um ponto brilhante, a presença de Margarida (Isolda Dychauk), loira e pura. É uma das contradições de Fausto que o personagem principal tenha de se render ao mal absoluto para atingir o bem supremo. Mas é o que faz dele uma obra imortal da humanidade. No Fausto de Sokurov, situado na Idade Média, mas pensado já neste mundo sem grandeza ou transcendência, essa possibilidade de superação parece ainda mais improvável que no original. Em Murnau existe uma redenção, grandiosa e trágica, descrita com a palavra Liebe (Amor) em grandes caracteres sinfônicos na tela. Em 1926 ainda se podia dizer isso. Quem ousaria fazê-lo em pleno século 21, sem se sujeitar ao ridículo?

Análise retirada do site Estadao











































































































































sexta-feira, 26 de abril de 2013

ESTRANHOS NO PARAÍSO - 1984

Stranger than paradise, 1984
Legendado, Jim Jarmusch

Classificação: Bom

Formato: AVI
Áudio: inglês e húngaro 
Duração: 89 min.
Tamanho: 690 MB
Servidor: Mega (2 partes)

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SINOPSE
Willie é um desocupado morando num pequeno apartamento em Nova York, que um dia recebe a visita inesperada de uma jovem prima Eva, vinda da Hungria. Eles não se dão muito bem e, assolados pelo tédio, resolvem ir visitar a tia Lotte deles em Cleveland. Eva fica morando com a tia, e Willie volta para a grande maçã, mas um tempo depois retorna à Cleveland com um amigo para tirar Eva de lá, e fazerem os três uma viagem para a ensolarada Flórida.  

Fonte: Cineplayers
The Internet Movie Database: IMDB - NOTA IMDB: 7.5


ANÁLISE

Tanto em Nova York, Cleveland ou Flórida, tanto na praia quanto no frio, em apartamentos, corredores e casas humildes, o tédio nos aprisiona. No preto-e-branco, no cinzento, na estática. Durante a quase uma hora e meia no filme, Jim Jarmusch nos apresentará sequências filmadas em um único plano, não de forma virtuosa ou impressionante. Pessoas viajando de carro, pessoas jogando cartas, assistindo televisão. Simples assim. A elipse entre uma cena é uma tela preta. Sem falar muita coisa profunda (ou melhor, nada de profundo). Nós mal falamos, e quando falamos, é para discussões de quinze segundos, ou constatações idiotas.
Essa atmosfera domina cada fotograma do filme, e o tempo esculpido por Jarmusch é o tempo das camadas baixas, dos derrotados, dos medíocres e dos sem-futuro. Não há vez para quem não alcançou a alta roda, não há chance para quem não se deu bem na vida. Resta o tédio, as conversas sobre música, bebida e cigarro, sobre cultura inútil, restam os jogos, as andanças pela praia, os movimentos mínimos de câmera, a falta daqueles cortes que o mercado americano nos acostumou a exigir. A falta de grandes atuações, a presença de atores deitados, fumando e resmungando e não representando muita coisa – pro mundo, pra dramaturgia, só pro filme.

Claro, há também a presença de espírito insistente do understatement, dos fatos tristes e desoladores serem acobertados pela camada de ironia e humor utilizados como eufemismo. O ridículo, o improvável, o tosco e o pitoresco, a assimetria e a imperfeição de lugares, de pessoas e de situações distanciam a película do transcendente, do especial, do distinto e do sublime. As sequências de Estranhos no Paraíso tem o ritmo da vida, tem a partitura de pessoas paradas, dos sons (sejam eles de aparalhos eletrônicos ou da natureza), das frases curtas, dos suspiros de quem não tem nada para fazer. Tudo é retratado como o ícone do desesperado acomodado, da desistência, enfim; o espírito de “nós somos perdedores, temos que viver com isso”.
E em todos os filmes posteriores, Jarmusch jamais mudou a essência que também estava contida neste. Azar de quem esperava a aventura, a ação e os muitos cortes, o suposto dinamismo erigido por um século de cinema. E continuamos testemunhando personagens tão desgraçados e miseráveis quantos os desta feita. Aquele desajuste tão grande quanto o de Screamin’ Jay Hawkins, que nem a Flórida nos salva.

Análise retirada do site Cinecafe