O som ao redor, 2012
Kleber Mendonça Filho
Formato: AVI
Áudio: português
Duração: 131 min.
Tamanho: 1,82 GB
Servidores: Mega (2 partes)
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SINOPSE
A presença de uma milícia em uma rua de classe média na zona sul do Recife muda a vida dos moradores do local. Ao mesmo tempo em que alguns comemoram a tranquilidade trazida pela segurança privada, outros passam por momentos de extrema tensão. Ao mesmo tempo, casada e mãe de duas crianças, Bia (Maeve Jinkings) tenta encontrar um modo de lidar com o barulhento cachorro de seu vizinho.
Fonte: Adorocinema
The internet movie database: IMDB - NOTA IMDB: 7.6
ANÁLISE
O Som ao Redor é um filme de rara pregnância. Seu gestos aderem ao mundo como poucos vistos no cinema recente – e não só brasileiro – o que explica parte de sua reverberação (outra parte, bastante significativa, fica a cargo dos imponderáveis, e os imponderáveis são o limite de toda crítica). Essa aderência, porém, se dá por um esmero que não está exatamente no polimento das engrenagens – ao contrário, O Som ao Redor não tem o polimento como uma das suas qualidades, e isso sim é uma das suas qualidades. A aderência vem por o trabalho de Kleber Mendonça Filho preservar, em suas articulações, as ranhuras exatas que se encaixem na topografia do pedaço de mundo no qual ele se insere – ou seja, em confluir, com precisão e sem ceder às concessões ou ao temor de se comunicar, uma visão artística com o tempo histórico, com o espaço que deseja ocupar, com a ontologia do que ele trata, e com uma pequena brecha no olhar do espectador que o permite ser surpreendido sem perder sua adesão.
A esta altura, muito já foi escrito constatando o encaixe. Talvez reste falar, ainda, algo sobre as engrenagens e os movimentos que elas permitem. Pois O Som ao Redor – e, a rigor, toda a obra de Kleber Mendonça Filho – é um filme em que o controle absoluto determina certos efeitos, e os efeitos, por sua vez, reafirmam o controle. Seu valor, portanto, não está somente na crítica de costumes, na arguta leitura histórica, no vigor quase absoluto da encenação… mas sim em como cada um desses aspectos é controlado de maneira a gerar um re-encaixe, de pegar peças que, embora espalhadas, já traziam no recorte do corpo a justeza de seus lugares. Por mais que seu aspecto político seja determinante (ainda mais por ser uma política também interna à arte: O Som ao Redor é um filme, não um panfleto – e como filme ele é mais forte em abalar o sensível do que em lhe escorar com certezas), a idéia já bastante cristalizada do filme como crítica social parecia, em geral, se anular justamente na insistência de uma estratificação desse retrato: Pernambuco; classe-média; Recife; novos ricos; a herança dos engenhos; Setúbal. De fato, O Som ao Redor se passa em tempo e lugares específicos, mas a atenção do filme (e o que o torna francamente especial) reside em dois movimentos mais amplos e que afirmam, ao mesmo tempo, sua força artística e política.
O primeiro movimento é a maneira como a câmera alterna entre duas posturas antagônicas: uma posição bastante frontal e concentrada em relação ao que filma; e uma espécie de política da digressão. Essa digressão é política justamente por ser pontual – falem o que quiserem do tom das atuações, da porosidade de seu “discurso”, mas O Som ao Redor nunca poderia ser chamado de um filme digressivo – e por seus momentos isolados se colocarem em confronto com a atenção direta e detida em uma cena que, em geral, está onde a ação está. Por oposição, nos vôos baixos dessa digressão, o filme não foge, não se nega a olhar, mas simdesloca onde está a ação. Não é, portanto, uma negação do olhar frontal, mas um desvio de o que seria merecedor dessa frontalidade, uma forma de trazer a borda da imagem para o centro. Uma espécie de “efeito Duchamp”.
Há alguns momentos expressivos em que a câmera se permite desviar, olhar para o lado, mas um deles é especialmente ilustrativo: após a já célebre reunião de condomínio em que os moradores de um prédio discutem demitir por justa causa um porteiro, Sr. Agenor, que dorme em serviço, João (Gustavo Jahn) vai se encontrar com Sofia (Irma Brown), e nesse trânsito a câmera se permite tomar uma curva, abandonar as personagens, e ir mostrar o próprio Sr. Agenor, que observa o casal se atracando no elevador, por uma câmera de segurança. Embora O Som ao Redor se permita também seguir, com intenções parecidas, uma doméstica que vai para seu quarto trocar de roupa, ou ainda acompanhar o filho de Maria, empregada de João – sempre em gesto de aparente gratuidade, mas como se dissesse: não se esqueça destes aqui – a ida até o Sr. Agenor neste momento se destaca por ao menos dois motivos. Em primeiro lugar, por neutralizar o bom mocismo que tenta enxergar o lado do “outro”, ao negar o caminho fácil da vitimização de classe – postura que sempre marcou parte de nosso pior cinema. Sr. Agenor, dizia João, é de fato o pior porteiro de todo o Recife, e o filme nos dá ainda outros motivos para que a personagem não evoque compaixão, sequer simpatia. O Som ao Redor não é condescendente, tampouco nega a existência do outro; sua afirmação é sinal do reconhecimento de autonomia.
Mas há outra implicação mais profunda e interessante neste gesto: se existe uma política possível nessa digressão, o que difere o gesto da câmera de O Som ao Redor do vídeo insuspeito feito pelo filho de um dos proprietários, coletando imagens do porteiro dormindo? Basicamente o fato de a digressão, aqui, ser uma forma de incluir o que se tentava manter fora, de trazer fisicamente o Sr. Agenor para uma discussão que, embora lhe diga respeito, lhe é negada. É, portanto, um movimento de câmera politicamente inverso ao sistema de demissão indireta adotado por toda empresa que possui um setor de RH – e também inverso ao sistema de eliminação, de queima de arquivos e de concorrência, sobre o qual – saberemos ao final do filme – Francisco (W.J. Solha) ergueu seu império.
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Ótimo diretor. Este, ainda não vi, vi Aquarius e Bacurau, ambos muito bons. Viva o cinema nacional!
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