sexta-feira, 11 de outubro de 2013

LA JETÉE - 1962

La jetée, 1962
Legendado, Chris Marker

Classificação: Excelente

Formato: AVI
Áudio: francês
Legendas: português
Duração: 28 min.
Tamanho: 500 MB
Servidor: Depositfiles (parte única)


SINOPSE
Na Paris devastada pela Terceira Guerra Mundial, os poucos sobreviventes pesquisam a viagem no tempo, com a esperança de mandar alguém de volta ao mundo pré-guerra para buscar comida, suprimentos e uma solução para sua situação. Neste contexto, um homem é assombrado por uma memória de infância que se provará decisiva.

Fonte: cienciamao
The Internet Movie Database: IMDB - NOTA IMDB: 8.2


ANÁLISE
Ceci est l'histoire d'un homme marqué par une image d'enfance. Com este intertítulo explicativo começa La Jetée (1962), "filme de ficção científica feito com imagens fixas, à exceção de um único movimento"[1]. O curta-metragem narra a aventura de um sobrevivente da Terceira Guerra Mundial que vive como prisioneiro nos subterrâneos de uma Paris destruída. Esse homem guarda lembranças de uma infância feliz na superfície, em tempos anteriores à guerra, quando costumava ser levado pelos pais para admirar os aviões no aeroporto de Orly. Numa dessas idas ao aeroporto, quando criança, ele vê um homem ser assassinado. Em virtude dessas lembranças, cientistas do pós-guerra o escolhem como cobaia para experiências de viagem no tempo. Como a superfície do planeta foi devastada pela guerra e pela radiatividade, a humanidade vive reclusa no subsolo e com parcos recursos. A única saída para um renascimento da civilização estaria no sucesso das viagens no tempo e na mobilização de conhecimento e fontes de energia advindas desse artifício. Depois de alguns viajantes do tempo não terem sobrevivido ou acabarem loucos, o protagonista de La Jetée será o homem mais apto a reverter em sucesso essa empresa. Ele viaja ao passado, diversas vezes, até que se apaixona por uma mulher. A certa altura o viajante do tempo é enviado ao futuro e trava contato com uma civilização renascida, numa Paris reconstruída. Logo percebe que nunca passou de uma mera cobaia ou ferramenta nas mãos de cientistas e autoridades de seu tempo. De volta do futuro e diante da ordem de não mais viajar ao passado, o viajante acaba por aceitar os favores de amigos que fez na Paris reconstruída. Pede que o enviem ao passado, aos tempos do pré-guerra, para que viva com a mulher pela qual se apaixonou. O reencontro se dá no aeroporto de Orly, em meio a mais forte das sensações de déja-vù. Antes que consiga chegar à mulher, o homem é alvejado por alguém que ele reconhece ser um enviado de seu tempo. Sua execução é testemunhada por ele próprio, ainda criança, num dia de passeio no aeroporto. O filme termina com o narrador dizendo que, no momento em que o homem percebeu o enviado do futuro, compreendeu que é impossível escapar ao tempo, e que aquele momento, gravado em sua memória desde criança era, na verdade, o instante de sua própria morte.

Chris Marker

Raymond Bellour procura resumir todos os aspectos de La Jetée afirmando:
(...) que esse filme condensa, em 29 minutos: uma história de amor, uma trajetória rumo à infância, um fascínio violento pela imagem única (o único da imagem), uma representação combinada da guerra, do perigo nuclear e dos campos de concentração, uma homenagem ao cinema (Hitchcock, Langlois, Ledoux, etc.), à fotografia (Capa), uma visão da memória, uma paixão pelos museus, uma atração pelos animais e, em meio a tudo isso, um sentido agudo do instante.[2]
La Jetée trabalha essencialmente com dois temas recorrentes no cinema de ficção científica: o holocausto nuclear e a viagem no tempo. Contudo, nenhum desses temas é tratado por Marker de forma corriqueira. O paradoxo temporal é intensamente examinado, num exercício que acaba por ratificar a máxima da "inelutabilidade" do tempo. As imagens da Paris destruída e do refúgio subterrâneo também impressionam pela crueza e melancolia. Mas a característica mais marcante do filme reside em sua forma, na opção pela fotomontagem. La Jetée é um filme sonoro e em preto e branco, mas que prescinde de uma das, senão a mais característica qualidade de um filme: o movimento. A narrativa decorre da sucessão de imagens estáticas, fotografias filmadas. No entanto, em nenhum momento podemos afirmar que o filme carece de montagem ou que não é cinema, pois, na construção da narrativa por meio da sucessão de fotografias, Marker faz uso de praticamente todos os dispositivos da linguagem cinematográfica. Planos gerais são sucedidos por planos médios ou de conjunto, intercalados por planos próximos e close-ups que reforçam a dramaticidade, sem falar nas fusões. Observamos então, com maior evidência, a função da macronarrativa, qualidade cinematográfica já examinada por André Gaudreault em "Film, Narrative, Narration - The Cinema of the Lumière Brothers"[3]. Se com a ausência de movimento perde-se a micronarrativa, isto é, a narrativa inerente à movimentação interna de cada plano em particular, La Jetée demonstra que a macronarrativa, isto é, a narrativa decorrente da sucessão de planos, uma vez preservada, sustenta sem problemas todo o procedimento do discurso fílmico. Pois como já disse Raymond Bellour, "(...) não é o movimento que define o cinema de forma mais profunda (Peter Wollen tinha razão, ao lembrá-lo recentemente), mas o tempo"[4]. No Brasil, encontramos experiência como a de La Jetée no curta-metragem Banco de Sangue[5].

Mas o maior interesse de La Jetée para este estudo está no recurso ao estilo documentário. Nesse filme, Chris Marker não poupa "aspiração documentária" para dar ares de registro a um relato hipotético ou fantasioso. O modelo do documentário clássico é o que mais se aproxima da estética de La Jetée. Uma das características mais importantes é o recurso ao voice-over, a narração do início ao fim que explica, comenta e antecipa cada plano ou cena, envolvendo todo o filme numa atmosfera de onipresença e suprema sabedoria. Em La Jetée, a voz de Jean Négroni é a "voz de Deus", que não só introduz o espectador ao contexto narrativo, explicando como a humanidade chegou a refugiar-se em subterrâneos depois de uma guerra mundial que devastou o mundo, como também elabora o recado moral engendrado por Marker. Como no documentário clássico, o narrador guia o espectador até determinadas conclusões ou "descobertas morais", mais ou menos como observamos nos mais radicais filmes de tese[6].  Como no documentário clássico, a narração de La Jetée também tem um propósito didático. Antes que se apresente a história do amor de um homem por uma mulher do passado, o narrador expõe a história de um futuro pós-guerra comentando imagens de uma cidade destruída e de experimentos científicos em laboratórios subterrâneos. Toda a explicação do narrador, que acaba por selar a construção do espaço diegético, mais a locução das manobras do protagonista, objetiva levar o espectador à conclusão de que "o tempo é inescapável" - é impossível aprisioná-lo de fato, burlá-lo, ainda que em imagens estáticas. Se o cinema permite uma sofisticada manipulação do tempo através da montagem, La Jetée demonstra que mesmo imagens estáticas são capazes de fluir e de se submeter ao transcorrer do tempo. O filme trata de um conteúdo posto em constante debate através de sua forma.


[1] MARKER, Chris. O Bestiário de Chris Marker, p. 100.
[2] BELLOUR, Entre-Imagens, p. 170.
[3] Em ELSAESSER, Thomas e BARKER, Adam (eds.). Early Cinema - Space, Frame, Narrative. London: BFI, 1990. Gaudreault menciona a análise de La Jetée feita por Roger Odin, , para quem "o filme que consiste inteiramente em fotografias ou 'imagens congeladas' apresenta um 'efeito deslide'" (p. 72). Comenta também estudos de Roman Gubern e Jurij Lotman, para chegar à noção de que "embora esses dois níveis da narrativa [a macro e a micronarrativa] sejam concomitantes, eles tendem inevitavelmente a cancelar um ao outro. Ou, mais precisamente, o segundo nível só pode operar tendendo a encobrir o primeiro: espectadores não estão cientes de estarem assistindo a um vasto número de micronarrativas sendo ligadas e se acumulando, peça por peça, para a criação de uma macronarrativa. Em outras palavras, a macronarrativa é formada não por micronarrativas sendo encadeadas, mas pelo fato de as mesmas serem sistematicamente desconsideradas enquanto tais. Esse é o caso, pelo menos, num certo tipo de narratividade (o qual tem sido de fato dominante na prática cinemática)". (Ibid., p. 72-3).
[4] BELLOUR, Raymond. Entre-Imagens, p. 92. Bellour refere-se entre parênteses ao artigo "Feu et Glace", no qual Peter Wollen assinala, na página 21, que "o movimento não é uma necessidade inerente ao cinema" e que "a impressão de movimento também pode ser criada por uma decupagem de imagens fixas". (apud Ibid., 129).
[5] Filme realizado na ECA-USP. Já o assisti, mas infelizmente não disponho de dados como ano de produção e nome do diretor.
[6] Aqui convém ressalvar que o filme-tese ou a guia do espectador não são fenômenos observáveis apenas no escopo do documentário clássico. O cinéma-vérité, o direto ou filmes de entrevista polifônicos também podem servir ao reforço de uma tese proposta de antemão, por vezes de maneira ainda mais sutil e eficaz do que o documentário clássico.


Análise retirada do site studium.iar.unicamp

Você também poderá gostar do estudo "Souvenirs de Chris Marker: memória, tempo e história em La jetéede autoria de Gabriela Santos Alves, Doutoranda em Comunicação e Cultura – Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/URFJ). Professora do Curso de Comunicação Social da Faculdade Novo Milênio. 


















































































































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