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 Jasmine (Cate Blanchett) é 
uma mulher rica que perde todo o seu dinheiro e se vê obrigada a morar 
com a irmã (Sally Hawkins) numa modesta casa em São Francisco.
Crítica:
Depois de visitar 
Londres, 
Paris e 
Roma em seus três últimos filmes, Woody Allen retorna a Nova York (e a San Francisco depois de 40 anos – desde 
Sonhos de um Sedutor) em um drama eficaz que, assumindo a forma de estudo de personagem, inspira-se claramente em 
Uma Rua Chamada Pecado
 para criar aquela que provavelmente é a protagonista mais antipática da
 carreira do diretor. O que, acreditem, é uma das principais virtudes do
 projeto.
Iniciando com um plano pavoroso que traz um avião claramente digital cruzando a tela, Blue Jasmine
 nos apresenta à personagem-título (Blanchett), que, voando na primeira 
classe, insiste em contar sua história para a passageira do lado, uma 
velhinha que provavelmente iria preferir estar próxima ao Ted Striker de
 Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!. Acostumada à vida de luxo 
oferecida por seu marido Hal (Baldwin), Jasmine agora encontra-se na 
miséria desde que o sujeito foi preso por fraude, o que a obriga a se 
mudar para a Califórnia a fim de morar com a irmã, Ginger (Hawkins). 
Ambas adotadas, as mulheres não poderiam ser mais diferentes física e 
emocionalmente: enquanto Jasmine tenta superar um colapso nervoso, está 
acostumada a ser servida por todos e mal pode aceitar sua nova 
realidade, Ginger é uma criatura alegre, simples e com um leve complexo 
de inferioridade. Alternando a narrativa entre o presente, que traz a 
protagonista buscando se adaptar ao cotidiano de trabalhadora, e o 
passado, que revela as circunstâncias que a levaram até ali, Blue Jasmine
 é um filme capaz de provocar risadas pontuais, mas que jamais poderia 
ser confundido com uma comédia, apresentando-se verdadeiramente 
sufocante em vários momentos.
Insistindo nos 
flashbacks mesmo
 quando já somos capazes de compreender tudo o que ocorreu (ou quase; a 
estrutura tenta se justificar através de uma revelação de última hora), 
Woody Allen e o diretor de fotografia Javier Aguirresarobe (que 
colaborou com o cineasta em 
Vicky Christina Barcelona)
 buscam contrastar os dois momentos através das cores quentes que 
envolvem o universo de Jasmine em Nova York e a paleta fria e levemente 
dessaturada que a acompanha em San Francisco, expondo, assim, o fato de 
estarmos vendo o mundo através dos olhos daquela mulher – que, longe de 
aceitar a responsabilidade pelos atos do marido (para os quais se fez de
 cega), prefere enxergar-se como sua grande vítima.
Aliás, uma das principais tragédias de 
Jasmine é sua incapacidade de enxergar o óbvio: quando casada, negava-se
 a ver as traições do marido e seus crimes; agora pobre, insiste em ver 
apenas miséria no cotidiano humilde, mas alegre, da irmã. Vivendo uma 
variação de sua personagem em Simplesmente Feliz, Sally Hawkins
 é hábil, diga-se de passagem, ao ilustrar o otimismo de uma mulher que 
tem razões de sobra para ser amarga, incluindo a perda da pequena 
fortuna que ganhou na loteria depois de acreditar no fraudulento 
cunhado. Parecendo não se ofender com as agressões da irmã, Ginger 
procura apoiá-la e tenta até mesmo fazer jus à imagem que, supõe, a 
deixaria orgulhosa – um erro que acaba demonstrando que a infelicidade 
de Jasmine (representada no título original) pode ser contagiosa. 
Enquanto isso, Louis C.K. e Andrew Dice Clark, dois comediantes de 
estilos completamente diferentes um do outro, oferecem performances 
pequenas, mas significativas, ao passo que o talentoso Bobby Cannavale 
flerta descaradamente com o Stanley Kowalski de Marlon Brando em vários 
momentos da projeção – especialmente em um confronto no qual atira um 
telefone na parede e que remete à explosão de Brando durante um jantar 
em Uma Rua Chamada Pecado. Fechando o elenco secundário, Alec 
Baldwin interpreta bem o tipo sedutor e frio que se encaixa tão bem à 
figura de um estelionatário da alta sociedade.
Porém, por mais sólidas que sejam as 
performances dos colegas de Cate Blanchett, é mesmo a protagonista quem 
merece os maiores elogios em Blue Jasmine: encarnando a 
personagem como uma figura egoísta e fútil, Blanchett abraça os defeitos
 daquela mulher com entrega total, jamais temendo o julgamento do 
espectador e criando um retrato fascinante em sua humana repugnância. E 
se adiciono um “humana” antes de uma palavra tão pesada quanto 
“repugnância”, é porque a atriz é hábil justamente ao despertar nossa 
pena mesmo ao tomar algumas das atitudes mais reprováveis da narrativa, 
já que por baixo daquela fachada de esnobismo e arrogância há uma mulher
 claramente danificada que precisa desesperadamente de socorro – e 
quando ela chora, aliviada, ao receber a ligação de um pretendente, 
percebemos o quão vulnerável e carente de aprovação ela realmente é.
Desesperançado e triste até seu sufocante plano final, Blue Jasmine
 é um filme sem muitas nuances, mas eficaz ao não fazer concessões no 
retrato de uma criatura cuja beleza e elegância externas ocultam uma 
mulher irremediavelmente estragada por dentro.