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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dr. Mabuse: O jogador e O inferno do crime - 1922

Dr. Mabuse, der Spieler, 1922
Dr. Mabuse – Ein Bild der Zeit, 1922
Legendado, Fritz Lang

Classificação: Excelente

Formato: AVI
Áudio: inglês (intertítulos)
Duração: 233 min.
Tamanho: 1,37 GB
Servidor: Mediafire (7 partes) e Jumbofiles (torrent)

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Torrent

SINOPSE
Líder de uma quadrilha, Dr. Mabuse planeja um grande golpe: o roubo de informações privilegiadas da bolsa de valores. Depois de usar seus poderes psíquicos em um golpe no jogo de cartas, Mabuse começa a ser investigado pelo Comissário Von Wenk. Mas as poucas pistas fazem com que o comissário procure alguém para ajudá-lo no caso.

Fonte: Cineplayers
The Internet Movie Database: IMDB


No gozo dos mortos-vivos
Autor:  Claudio Szynkier


De alguma forma, Dr. Mabuse, composto aqui por O Jogadore o Inferno do Crime, ambos de 1922, é uma obra sobre a experiência de olhá-la hoje.

Sim, porque temos um filme, podemos assim considerar o "pacote", de mortos-vivos. Sua agenda de imagens se sustenta na presença e no impacto da imagem dos corpos, pálidos, deformados ou quase apodrecidos, dos zumbis que povoam os porões, mais ricos ou mais pobres, não importa, alemães. E também não é exagero dizer que há uma pulsão zumbi no esqueleto do filme de Lang, visto hoje. 

Não discutindo a sofisticação evidente de seu artesanato, é, em projeto e linguagem, um cinema morto, o que é mais do que claro. Mas temos aqui um zumbi, esse filme, que vagou, ou melhor, vem vagando, por aí, desde 1922, contaminando outros organismos de cinema e reaparecendo, mutante (morto, porém vivo), por meio de outras mãos. Kubrick, pelo menos.

O cinema é um pouco, ou muito, Fritz Lang, mas impressiona como por exemplo Kubrick se manifesta radicalmente no Lang de Mabuse (não o contrário). Quer dizer, é muito curioso ver Mabuse e pensar nessa lógica, que é meio uma lógica de fantasmas: o mais recente que parece vir assombrar o fantasma que habita originalmente suas propriedades.

Não por acaso, Dr. Mabuse (esse de 1922) está em, ou é visitado por, filmes fantásmicos de Kubrick, a pensar em O Iluminado (1979) e, principalmente, em De Olhos bem Fechados (1999).

De onde vem a relação?

Há, por exemplo, muito da Nova Iorque subterrânea percorrida por Tom Cruise e a Berlim subterrânea utilizada como dispositivo por Lang.

Perceptível, como no Kubrick final, é uma preocupação de Lang em montar e radiografar o movimento, em 1922, de pequenos espaços e ambientes secretos de lazer. Alguns desses espaços de festas e jogos parecem, em sua conformação, grandes brinquedos, instalações ludistas que nos dizem primeiro algo sobre o que dentro deles se desenrola e ocorre - hedonismo, tentativa de desativação de contato com a geografia que está fora de lá e ao mesmo tempo inauguração de um novo programa, de um novo fluxo, de pactos urbanos "noturnos". Mas também, como em Kubrick, dizem algo sobre a operação cinematográfica engendrada lá: não deixam, os dois, Dr. Mabuse e De Olhos bem Fechados, de ser filmes sobre os ambientes que constroem, exploram e respiram, daí que o procedimento de estruturação desses ambientes por parte dos cineastas é o coração de cada filme. 



Em ambos os filmes, nesses espaços do divertimento que parecem existir por trás das paredes e por baixo do solo, espaços de certo modo lúgubres, há tapetes, lustres, artifícios e acessórios de decoração amplamente aproveitados: aparelhos cenográficos que falam e se manifestam no quadro como personagens, e para os personagens. A função arquitetônica nos dois filmes, uma concepção arquitetônica implantada nos olhos de cada um dos realizadores, pode ser dito, é, aliás, bastante similar.



No jogo da ilusão



O que é Dr. Mabuse, ou, mais apropriado, quem é esse Mabuse? Ele é, em linhas gerais, o sinistro criminoso manipulador protegido por disfarces que cria. Sempre muda de aparência, com maquiagem, bigodes e cabelos "sintéticos". Sai pela Europa, causando danos monetários gigantescos (sabotando Bolsas), pela Berlim "escondida", hipnotizando jogadores nos clubes secretos e levando-os à ruína pessoal. Dia seguinte, outro disfarce, outro clube. Mabuse é Mabuse e ao mesmo tempo é todo mundo: fácil, assim, associar sua figura à de uma Alemanha pobre, devastada física e existencialmente, de onde emergiria um Hitler, por exemplo. 
Fácil, embora não equivocado, e, por isso, para cá retornaremos.

Talvez mais fácil ainda, ou ingênuo, seja associar sua figura com o cinema, com seus sistemas de linguagem. Parece-me, no entanto, ainda bastante honesto em relação ao que o filme apresenta. Ao que Lang nos dá. Partamos daqui.

Primeiro: o coração da mise em scène da primeira parte é tudo o que se passa nas mesas em que se joga cartas. Aliás, essencialmente é um jogo de cartas o que Mabuse manuseia na primeira cena do filme: não as convencionais, mas um baralho, ou coisa similar, com suas próprias imagens de travestimento em mil fantasias, embaralhadas.

Para início, bem, sabemos que o jogo de cartas mesmo, esse com ases, copas, valetes e paus, ou, na verdade, qualquer outro, trata basicamente de articular e combinar imagens com significações. Imagens e suas significações. 

O personagem, sempre todo mundo e, claro, ao mesmo tempo ninguém (Lang magnificamente nunca se propõe a decifrar esse personagem, totalizar ou liquidar os mistérios de sua "arqueologia" humana, reforçando o tom ameaçador que se estabelece durante fluidas 4 horas), revela-se filosoficamente uma única vez durante o filme. É quando diz que tudo entedia, "exceto brincar com os destinos das pessoas".

Ninguém dirá que, para além das aplicações óbvias que isso possui nos expedientes que se desenrolam em uma mesa de carteado, ou mesmo nos tipos de relações que Mabuse, o grande manipulador, constrói com esses jogadores e até com seus diabolicamente convictos seguidores (quase um fundamentalismo os caracteriza), não deixa de ser uma leitura sobre o cinema. Sobre encenação, sua organização interna, ou, quem sabe, sobre o efeito da ilusão.

Ninguém dirá, portanto, que Dr. Mabuse não é um dos primeiros filmes da história a problematizar a ilusão. Questionar o espetáculo. O doutor é a ferramenta.

Essa idéia é sedimentada explicitamente naquela que é a seqüência mais forte dos dois filmes. Mabuse, com o objetivo de neutralizar o oficial do Estado que o farejava e perseguia desde o primeiro filme, arma um evento que teria como atração um suposto doutor-estudioso da mente-mágico. Trata-se de um tal Dr. Weltmann, mas na verdade é Mabuse, dentro de um personagem. Num jogo de domínio de uma platéia encantada, paralisada, seu principal "número" é, não à toa, o da simulação de uma espécie de cinema. Faz surgir das cortinas uma caravana árabe, ou de nômades, em um deserto. Uma alucinação "filmada", que abala a platéia. Tudo imaterial, mentira: evapora com um estalar de dedos de Mabuse, o falsificador que forja também cédulas monetárias.

A figura de Mabuse, desde o caráter sinistro-carnavalesco da flutuação por meio de figurinos, rostos, passando por suas habilidades como hipnotizador e "jogador de destinos" é em si uma reflexão continuada, primeiro, sobre o falso e, depois (e conseqüentemente), sobre os tecidos e mecanismos do ilusionismo. 

Contudo é válido notar que Mabuse, orquestrador e anfitrião da ilusão em um evento de odor aristocrático, ou um operário vestindo farrapos e incitando uma revolta em um bar precário, trafega, nessa revisão precoce do espetáculo, em 1922, entre ser "cineasta" e ser o próprio "cinema" - nesse sentido, o do "cinema", estão estampadas já nesse seu corpo, em sua pele - um suporte -, as operações de fabulação cinematográfica. Pode-se ir além: é titerista (gestor do espetáculo) e ao mesmo tempo, incorporando a todos, a própria imagem do lugar silenciosamente convulsionado que habita. As duas funções, Mabuse associado à Alemanha, e à sua paisagem carcomida de seres e imagens cadavéricos, e Mabuse associado à feitura do espetáculo, se conciliam. Mais: se transubstanciam. O povo alemão estava à mercê desse pequeno Deus (engenheiro do espetáculo - cineasta) imensurável, indecifrável e macabro, mas era, de alguma forma, também "imagem e semelhança" dessa entidade – para Lang, pessimista (premonitório?) por excelência.



Análise retirada do site Contracampo
































































































































































































































terça-feira, 17 de abril de 2012

FAUSTO - 1926

Faust - Eine deutsche Volkssage, 1926
Legendado, F.W. Murnau
Classificação: Excelente

Formato: AVI
Áudio: inglês (intertítulos)
Legendas: Pt-Br
Duração: 85 min.
Tamanho: 700 MB
Servidor: Mediafire (4 partes)

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SINOPSE
Baseado na famosa peça de Goethe, temos Fausto, um velho alquimista que vê sua cidade ser assolada pela peste negra. Vendo tanta morte, começa a pensar sobre sua própria finitude. Ele então evoca Mefistofeles, e lhe pede sua juventude de volta e eterna. O demônio a garante, em troca da alma de Fausto. Tudo parecia perfeito, até este se apaixonar por uma jovem italiana. Marco absoluto no cinema alemão, é o último filme de Murnau no país.

Fonte: Cineplayers
The Internet Movie Database: IMDB


ANÁLISE

INOCÊNCIA DO OLHAR E ARTIFICIALISMO SOCIAL
Autor: Paulo Ricardo de Almeida

Nos filmes de F.W. Murnau disponíveis em vídeo e em DVD no Brasil – NosferatuA Última GargalhadaTartufoFausto,Aurora e Tabu – apresenta-se o conflito entre natureza e civilização ou, mais precisamente, entre a busca pelo olhar inocente e o artificialismo que regula e que sustenta as relações dos homens em sociedade.

Tabu, último longa-metragem de Murnau (morto em acidente de carro, na semana anterior ao lançamento, aos 43 anos), co-dirigido por Robert J. Flaherty – e cuja produção, esmiuçada pelo documentário que acompanha a cópia em DVD da Magnus Opus, rompe com o sistema de estúdios vigente em Hollywood, o qual perdura inabalável até a década de 50 –, exemplifica com clareza as intenções do cineasta, posto que retrata a luta do jovem casal, em ilha paradisíaca no Taiti, contra a Lei que, de forma implacável, coloca-se entre eles. Assim, de um lado, há o amor – puro, virginal –, força transcendente pois verdadeira, já que se fundamenta nas emoções e nos sentimentos, de outro, existe o código que o reprime, uma vez que se baseia na ilusão, nos artifícios criados pela racionalidade humana para, através da interdição da mulher escolhida pelos deuses, manter a unidade cultural dos vários povoados dispersos pelas ilhas. É preciso reparar, de fato, que se trata de rito construído socialmente, embora naturalizado a fm de não o parecer, no qual a ira divina serve de justificativa para as regras elaboradas pela comunidade para controlar a si própria.

O amor também se encontra no centro de Aurora e deFausto. Em Aurora – primeiro filme de Murnau nos EUA, com carta branca da Fox para inovar (Oscar de melhor produção artística, fotografia e atriz, para Janet Gaynor) – a união do casal, que vive no campo, é ameaçada pela amante proveniente da cidade, despertando no marido o sonho pela agitação urbana. Murnau opõe a eternidade do amor entre os protagonistas – simbolizada no re-casamento na igreja, seguida da inserção de travelling do casal caminhando em imagem de rua movimentada (de maneira que carros e bondes literalmente passam através dele, como se estivesse para além daquele lugar), até o beijo que paralisa o mundo, em seqüência das mais extraordinárias do cinema – à efemeridade do meio urbano, mundano e frívolo por excelência. Notável, e ousado, que ainda em 1927 Murnau discuta e expresse visualmente o que Simmel, Benjamin e Kracauer identificam como "hiper-estímulo" proporcionado pela cidade, a saber, a superexcitação dos sentidos por meio, sobretudo, do aumento da velocidade e dos choques sensoriais advindos com a era moderna – a viagem de bonde que leva George O’Brien e Janet Gaynor do campo para a cidade, a qual transcorre a partir de suaves mudanças na paisagem exterior, sintetiza séculos de movimentos migratórios, desde os cercamentos na Inglaterra seiscentista. Já em Fausto, Murnau aponta o amor do herói por seu par romântico – sentimento que assume a pura abstração, ao final, visto que se representa através da palavra "liebe" escrita na tela – enquanto única força capaz de libertar o personagem título da dominação nefasta de Mefistófeles (Emil Jannings que, como em A Última Gargalhada e emTartufo, tem atuação impressionante) e, por conseguinte, redimir a humanidade de suas faltas e de seus sofrimentos. Da mesma forma que ao marido de Aurora, são as tentações mundanas que afligem Fausto, o qual acaba seduzido pela aparência de juventude, e pela chance de dela usufruir, oferecida pelo demônio.

A realidade enquanto artifício, a civilização como aparência. Em A Última Gargalhada, a falsa posição social – pois seja na portaria do hotel Atlantic ou no banheiro, Jannings jamais deixa de ser proletário – adquirida pelo personagem principal por intermédio do uniforme, a qual desmorona frente à descoberta da farsa pelos vizinhos hipócritas. Em Tartufo, o moralista aproveitador do filme exibido para a empregada interesseira, que pouco a pouco envenena o patrão, e o põe contra o sobrinho, a fim de adquirir a herança. Em ambos os filmes, como também nos demais, está em jogo o questionamento da moral humana. Os amantes devem fugir, mesmo que sob risco da morte, ou se submeter à Lei emTabu? O marido afoga a esposa e marcha para a cidade ou a reconquista, pedindo-lhe perdão, em Aurora? A heroína necessita realmente se entregar em sacrifício a Orlok, símbolo máximo das paixões mundanas e sexuais na obra do cineasta alemão, em Nosferatu?

É de Fausto, porém, a representação mais clara, no cinema de Murnau, dos dilemas morais que afetam o homem. Paraíso e Inferno, Anjo e Demônio: a oscilação humana entre ambos, dada nossa procura pelo mínimo de felicidade, e a batalha perpétua da verdade contra a mentira, da inocência contra o artifício, da natureza contra a civilização.

Kammerspiel e ousadias visuais / narrativas.F.W. Murnau é marcado pelo kammerspiel, cinema realista, em oposição ao expressionismo então em voga na Alemanha. Realismo, porém, que se caracteriza pelas ousadias narrativas (a importância do roteirista Carl Mayer, com quem o diretor trabalha em A Última GargalhadaTartufo Aurora)e visuais, em virtude do privilégio atribuído ao movimento, seja dos elementos plásticos dentro do quadro, seja da câmera em si (a participação do fotógrafo Karl Freund em A Última Gargalhada e em Tartufo).

Os filmes iniciais de Murnau, Der Knabe in Blaue (1919) eSatanas (1920) – ambos escritos por Robert Wiene –, aliam-se à vanguarda expressionista alemã. Já em Nosferatu, contudo, o diretor se afasta da tendência, aproximando-se do kammerspiel, do cinema realista / naturalista. Desse modo, antes dos cenários distorcidos que tentam romper com a perspectiva renascentista em, por exemplo, O Gabinete do Doutor Caligari (1919), de Wiene, e O Golem (1920), de Paul Wegener, tem-se a procura por ambientes reais, sobretudo por meio de locações. Às interpretações e caracterizações exageradas daquela, tanto no gestual quanto na maquiagem, predominam, neste, a contenção emocional griffithiana e os personagens de rostos limpos, com nada além de base corretiva (as atuações dos casais protagonistas, em Aurora e em Tabu, são naturais e despojadas ao extremo). O kammerspiel, enfim, calca-se na verossimilhança da imagem.

Ao contrário de O Gabinete do Doutor Caligari, que utiliza espaços disformes como projeções dos sentimentos dos personagens sobre o mundo (e tudo se revela devaneio da mente enlouquecida de Caligari), em Nosferatu Murnau registra a presença fantasmática de Orlok em ambientes absolutamente críveis, onde prevalecem as filmagens em locações – nos Cárpatos, no navio-fantasma ou na cidade de Bremen. Mesmo quando em interiores, porém, a realidade: ao invés de caminhos lúgubres e tortuosos, cômodos amplos e iluminados, antíteses do expressionismo.

O cinema representa o mundo que se descortina à frente da câmera, de sorte que não interessa a Murnau o real objetivo, e sim a realidade pró-fílmica, a verdade do filme, o espaço cênico que se constrói com a linguagem cinematográfica e no qual os personagens estão mergulhados. Para Murnau, o espaço – verossímil em todos os detalhes – serve a fim de trabalhar com a dicotomia entre o meio social artificialmente regulado e controlado e a inocência com que os personagens o enxergam: o interior simétrico do hotel Atlantic, em consonância com as formas regulares da cidade e em contraponto ao cortiço assimétrico onde habita o porteiro emA Última Gargalhada; a visão onírica do meio urbano pelo marido, e o conflito com a cidade real, em Aurora; o burgo com os pés no fantástico em Fausto; as ilhas idealizadas do Taiti em Tabu.

Não espanta, assim, que Murnau considere os filmes enquanto locais de experimentação, narrativa ou visual. Quanto à narrativa, em A Última Gargalhada, o epílogo, completamente dissonante do resto da obra, em que o porteiro recebe herança e torna-se milionário, ou o filme dentro do filme em Tartufo, no qual se antecipa o distanciamento brechtiano, pois o diretor não esconde tratar-se o objeto visto na tela de nada além de pura encenação (e a regra básica do cinema clássico-narrativo – não olhar para a câmera e, em conseqüência, para a platéia – é quebrada por Murnau). Já em relação à visualidade, o cineasta abusa do movimento, tanto dos elementos plásticos que constituem o plano – a cidade pulsante em Aurora, a seqüência em que os habitantes da ilha, na praia, lançam-se ao mar, enquanto o vento balança as folhas das árvores e precipita as ondas na areia, em Tabu – quanto da câmera – o travelling que desce com o elevador e avança pelo salão do hotel em A Última Gargalhada, a panorâmica que acompanha a empregada pela escada em Tartufo, o travelling, ponto de vista da canoa do herói, que vislumbra o barco do homem branco em Tabu.

Por fim, o que dizer dos prodigiosos planos ponto de vista em Tartufo e em Tabu, pulverização dos olhares dentro da narrativa que influencia o cinema desde então? Ou da técnica de pixialization (filmar atores quadro a quadro), hoje corrente na animação, em Nosferatu? Ou, ainda neste filme, do impacto dramático da viragem vermelha, índice sanguinolento de Conde Orlok? Ou do trabalho com o fora-de-campo, das entradas e saídas de quadro (o navio que avança pelo plano em Nosferatu ou a mão que, na cena capital de Tabu, surge para romper, com a faca, a corda na qual se agarra o protagonista)? Ou das estonteantes fusões de imagens em Aurora e em Fausto?

Na sua Viagem Pessoal pelo Cinema Norte-Americano (1995), Martin Scorsese classifica Aurora, como também 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, como "poemas visionários". Termo que se adequa à filmografia de Murnau, diretor único, capaz de unir cinema narrativo às experimentações de vanguarda.

Cartelas: texto e imagem.Indagado sobre sua presença em congresso de literatura, Jean-Luc Godard responde, em Nossa Música (2004), que cinema é texto e imagem. Afirmação que implica diferentes leituras. A representação, na tela, dos atos e dos personagens descritos no roteiro. A teoria semiológica do cinema, cujo maior expoente é Christian Metz, segundo a qual cada filme está aberto às interpretações do espectador. Por fim, a combinação de ambos os elementos no quadro – seja de forma plástica ou narrativa – com a qual a sétima arte trabalha desde antes do advento do som.

No cinema mudo (como se chama, por convenção, o período anterior a O Cantor de Jazz, primeiro filme em escala industrial a sincronizar imagens e diálogos através do processo Vitafone), de vertente griffithiana, a palavra está em questão, uma vez que D.W. Griffith sistematiza as leis que regem o cinema clássico-narrativo a partir de estruturas herdadas do romance melodramático do século XIX: tramas centradas na ação externa, com vários pontos de virada, personagens dotados de profundidade psicológica, narração invisível e busca da identificação com o espectador através do estilhaçamento dos pontos de vista dentro do filme, de modo que a linguagem dominante se fundamenta sobre laços estreitos entre cinema e literatura.

Não há sentido, dessa maneira, na acusação comumente feita ao uso de cartelas pelo cinema mudo, de que a incapacidade de narrar apenas por meio das imagens levaria à utilização das muletas encarnadas pelo texto escrito, o qual não somente indica os diálogos (prática "corrigida" com o surgimento do som), como também comenta e mesmo induz os atos que se desenrolam na tela. Neste sentido, Murnau seria o artífice da pura visualidade na narração cinematográfica, dado que em A Última Gargalhada e emTabu, por exemplo, prescinde das cartelas, ao escondê-las, seja na cobertura do bolo ou na carta lida por Emil Jannings no primeiro, seja nos livros, cadernos e pergaminhos ao quais pontuam o segundo.

Murnau, porém, não nega a importância da cartela: pelo contrário, ele significa o ápice da relação entre texto e imagem travada durante o cinema mudo, já que dá a ambos o mesmo relevo. O cineasta, de fato, assume a dívida de seu ofício para com as letras, tanto que concentra as cartelas vistas no quadro (sempre a partir do olhar dos personagens) sobretudo em suportes textuais – livros, cartas, cadernos, placas, quadros-negros, cartazes, papéis – que integram a diegese dos filmes. Em outras palavras, antes de ocultar a necessidade do texto, Murnau trata de ressaltá-lo, na medida em que explicita sua natureza eminentemente literária. Assim, já em Nosferatu, o livro sobre vampiros que acompanha Hutter pelos Cárpatos e que situa o público a respeito da verdadeira condição do conde Orlok, ou o diário de bordo do navio-fantasma, que descreve os acontecimentos da viagem a Bremen. Em A Última Gargalhada, a carta que rebaixa o orgulhoso porteiro a trabalhar no banheiro do hotel, enxugando as mãos dos clientes. Em Tabu, a onipresente regra que persegue os amantes em que lhes proíbe o casamento.

As cartelas nas obras do diretor alemão, contudo, também adentram pela literatura concretista, visto que valorizam o grafismo do texto. Em Aurora, a frase que escorre pelo plano (quando da proposta para que o marido afogue a esposa). Em A Última Gargalhada, a câmera nervosa que percorre a superfície do papel, letra a letra, rumo à quase abstração da imagem. Em Fausto, a própria conclusão do filme, a qual gira em torno da palavra "liebe" (amor) emoldurada por raios de luz. O texto, em suma, além da função narrativa que exerce, igualmente enquanto elemento dramático, posto que Murnau trabalha com o impacto emocional, no espectador, das formas com que as cartelas se mostram aos olhos destes.

Em 1974, Rainer Werner Fassbinder usa cartelas em Effi Briest, as quais não apenas comentam ou induzem as imagens, como também as substituem. Segundo o cineasta, a intenção não é narrar a história contada por Fontaine, mas sim entendê-la através dos olhos do próprio autor. A fusão entre cineasta e escritor, entre imagem e texto, que F.W. Murnau, cinqüenta anos antes, realiza com brilho inigualável.

Análise retirada do site Contracampo